quinta-feira, 23 de abril de 2009

Você tem um Zahir?

(em 22 de Março de 2009)

“Deixa ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pode parecer óbvio, pode ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é”.

Há várias semanas eu venho desenvolvendo uma linha de raciocínio que questionava o lembrar e o não esquecer acontecimentos de nossas vidas, como nossos neurônios reagiam psico-fisiologicamente diante de coisas, pessoas, fatos que por momentos nos intrigam, deixam a pulga atrás da orelha e não nos permitem virar a página e encerrar capítulos.


É próprio do instinto feminino querer explicar as coisas, entender o porquê de tudo e tal característica é mais que evidente em minha personalidade. Para tanto devo relembrar que já por duas vezes citei, trechos do livro O Zahir de Paulo Coelho nas linhas deste jornal, falando do nosso ponto acomodador. Semana retrasada fui surpreendida com um e-mail de um jovem da cidade de São Paulo, que também leu o livro e me questionava sobre o acomodador, pois não conseguira compreender a mensagem que o autor quis, subliminarmente, trazer no escrito.


Críticos citam que O Zahir é autobiográfico, pois traz a história de um escritor bem sucedido, que tem fama, sucesso, mas é abandonado pela mulher e tenta encontrar a razão de tal fato ter ocorrido. Ouso, porém dizer (ao relê-lo pela terceira vez) que o livro é mais que um mito de ficção e autobiografia e que a obra auxilia no autoconhecimento do leitor.


Segundo a tradição islâmica, Zahir é um presente inesperado, algo ou alguém que acaba por dominar completamente o pensamento, sem que se possa esquecê-lo em momento algum. No livro, o zahir do personagem principal é sua mulher, que tanto o auxiliara em vários momentos de sua vida, inclusive em sua jornada como escritor, mas que o abandona misteriosamente. Por momentos ele chega a culpar o jovem Mikael pelo sumiço da mulher, mas deixando seu orgulho de lado e querendo solucionar os mistérios de sua mente, o escritor se mostra aberto para as experiências e o jovem se revela um amigo que o auxilia a rever seu passado, descobrir onde errou, entender por que perdeu Esther.


O fato é que o inesperado sempre nos acontece, principalmente quando tudo em nossa vida parece organizado e evidentemente não sabemos lidar com mudanças. Sonhamos, fazemos planos, traçamos metas e até cogitamos os erros e os desvios de percurso, mas não sabemos lidar com eles, pois não queremos conviver com sua presença, pois mudança nos incomoda e nos acomoda.


Esther sentia amor, mas não se sentia amada. Era realizada, mas não era feliz. Assim, ela sai de uma das piores armadilhas do ser humano que é a conformação e resolve ir a busca daquilo que chamam “felicidade”. Ela abandonou um passado que embora não lhe incomodasse e proporcionava somente momentos de prazer e alegria. Todavia, ela não precisava de momentos, mas sim de uma constante de alegrias. O escritor percebe que assim como Esther se livrou dele, ele também precisa se livrar dela, viver outros momentos, esquecer as mágoas e os rancores e iniciar um novo capítulo.


Voltando a realidade, confabulando com meu correspondente paulista, não só elucidei dúvidas dele, mas também minhas, que muito perturbavam meu dia-a-dia. Uma vez, um amigo me falou que eu vivia presa ao passado e por momento me senti ofendida com tal fato, pois naquele momento eu estava realmente presa a recordações, mas hoje percebo que tal momento foi fundamental para compreender o meu zahir.


Não querendo parecer repetitiva, recordo um pensamento de autoria própria o qual também já digitei neste espaço: muitas vezes sabemos de qual doença estamos acometidos, sabemos como nos contaminamos, sentimos os sintomas e sabemos qual é o remédio que nos cura e ele está em nossas mãos, só falta tomar. Mas o que nos impede de tomar tal atitude? Seria o Zahir? Acredito que sim, acredito ainda que temos vários zahires em nossa vida, quando frustrações se acumulam, problemas se somam, ficamos presos a tal imagem ou cena e somos impedidos por ele e por nós mesmos a seguir em frente.


Aí, o jovem ainda me pergunta: - Você já teve um zahir? Como se livrou dele? – Já tive vários zahires, atualmente convivo com um, já percebi alguns pontos acomodadores de minha vida e creio que eles se dissolvem com a ajuda do próprio conhecimento. Um zahir pode não ser somente um carma, um problema, mas aceito o fato de que um zahir pode ser a direção de um caminho e até a concretização de um desejo: quando descoberto o acomodador e entendido o porquê do zahir.


Por isso que olhar para trás e analisar o passado não é erro: é solução! É perceber erros para não cometê-los mais: doar-se menos e dedicar-se mais. Por isso que a gente convive tempos com um zahir sem percebê-lo e entendê-lo, porque não atingimos a dimensão de dissolvê-lo e largá-lo e o tempo é responsável por isso, pois contribui para nosso amadurecimento e nos faz perceber que ele próprio junto com o sentimento tem medidas diferentes e que muitas vezes parecem ser difíceis de serem explicados, como a relação do escritor e Esther, que só livre dela conseguiu ser feliz.


É difícil se livrar, abandonar o passado e seguir em frente? Com certeza, mas tudo na vida tem seu tempo e um ciclo para ser cumprido. Por isso existem os acomodadores, para nos amadurecerem, nos deixando prontos para enfrentar coisas, assuntos, sentimentos e tomar o remédio do tempo para os esclarecer e sair da sombra de um passado. Neste tempo existe a verdade, a coragem e a ousadia de reconhecer, enfrentar e livrar-se do zahir e ir a busca da tal felicidade, descobrir-se, virar a página, mudar o disco e ouvir outra música, sem acomodadores. Até que se encontre outro, se inicie outro ciclo e se aprenda tudo novamente.


Pollyanna Gracy Wronski é Bióloga, Professora, Acadêmica de Ciências Contábeis e está com o remédio na mão e pronta pra ser quem é, de novo.

Um comentário:

. disse...

Será que você vai conseguir se livrar?