sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Porque?



Quem pergunta, duvida da resposta

“Por que você é Flamengo e meu pai Botafogo? O que significa”Impávido Colosso"? Por que os ossos doem enquanto a gente dorme? Por que os dentes caem? Por onde os filhos saem? Por que os dedos murcham quando estou no banho? Por que as ruas enchem quando está chovendo? Quanto é mil trilhões vezes infinito? Quem é Jesus Cristo?” Para alguns companheiros da década de 80, esses versos de Paula Toller são bem conhecidos e refletem não só a curiosidade do filho da cantora, (na época com oito anos, idade que dá o nome a canção), que tinha o “porquê” ativo no seu vocabulário, mas também a grande ânsia de saber o porquê das coisas, o que é típico das crianças.
Confesso-vos, que fui uma daquelas crianças que tinha questionamentos parecidos (e se não fossem até piores) ao de Gabriel, filho de Paula e isso talvez seja um dos pontos que me fizeram e ainda me fazem a ser inquieta e ansiosa perante a tudo que me rodeia. Para tanto, uma das minhas atuais inquietações vem exatamente disso: por sempre ter perguntas e por sempre esperar respostas plausíveis a respeito de minhas indagações, ando enfurecida com a falta de pergunta e a falta de interesse em saber a resposta. Hã? Vou tentar explicar. Viemos em uma época na qual a tecnologia alcança patamares e níveis jamais imaginados pela primeira espécie de hominídeo que surgiu na face da Terra. Convivemos com uma evolução que surgiu mais rápido que o manuseio do fogo e bem antes de Aristóteles pudesse sonhar que as estrelas mudavam de lugar e essa rapidez com que tudo muda nos torna tão próximos e ao mesmo tempo tão distante de tais avanços e mudanças.
Acontecimentos como estes são comuns em nosso dia-a-dia, tudo muda ao nosso alcance e em baixo dos nossos olhos, mas na maioria das vezes nos sentimos inertes a tudo: porque tudo nos parece pronto, inquestionável e exato. Estamos tão maravilhados em apenas consumir tudo o que nos é apresentado que esquecemos de questionar, de duvidar e querer saber o porquê das coisas. Parece que pensar caiu de moda, duvidar das teorias virou coisa de nerd e criar novas proposições é pra viciado ou maluco. E assim o simplesmente aceitar sem questionar parece que virou moda, ouso até falar que as atuais gerações andam é com preguiça de pensar!
Li esses dias por aí, que pensar é problematizar, a palavra tem origem do latim pensare e caracteriza os atos do pensamento. Pensar, nos permite conhecer coisas novas e ponderar tais elementos conduzindo a formação de uma verdade e assim para conhecer coisas novas e formar verdades é imprescindível uma pergunta: aí é que entra o porquê do Gabriel e dos demais anjinhos. Saber perguntar é uma arte! Uma parte da psicologia afirma até que o homem deveria ser avaliado não pelas respostas que dá, mas pelas perguntas que faz. Neste contexto, encontra-se a filosofia que se preocupa mais na pergunta do que na resposta, pois ela reflete a estrutura do pensamento que é o objeto de estudo da filosofia, que diz-se também que não há pergunta sem prévios conceitos, assim quem pergunta já tem um conhecimento e quem se cala é porque não tem nada a dizer.
Senhores, agora imaginem se não dispuséssemos de adultos, que foram as crianças dos “porquês”, adolescentes do “eu duvido” e de jovens do “eu posso mudar”? Imagine o que seria de nós hoje em dia se Darwin não houvesse questionado e duvidado de Lamarck; se Galileu apenas engolisse o modelo geocêntrico de Aristóteles; se Taylor, Fayol e Ford tivessem concordado em tudo? Talvez não acreditaríamos em adaptação, nem na existência do sol e andaríamos todos em carros pretos.
A questão é que atualmente as gerações do “porquê” estão estupidamente sendo substituídas pela geração do “ah, tá bom” ou do “uhum, bem legal’. Pensadores, estudiosos, teóricos estão virando ídolos e deuses inquestionáveis, onde o aceitar é mais cômodo que duvidar e provar o contrário. Andamos nos esquecendo que como Homo sapiens sapiens, seres que sabem que sabem, sabemos que nem sempre tudo é verdade e um porquê pode mudar os rumos do nosso caminhar.
Quem é que não já olhou pro e perguntou porque ele é azul ou se super-bonder cola as estrelas no céu? Quem não duvidou que a Terra girava em torno do Sol ou não imaginou se os barcos sumiam no horizonte? Difícil, não é? Pena que isso se perca ao longo do avanço da idade e por uma série de fatores o pensar se torna motivo de preguiça. Mais uma vez eu volto naquela tecla de que adulto tem que é que virar criança para crescer. Só os pequenos tem o segredo e a determinação em perguntar o porque do porque e mais porque com os olhos firmes, crentes de que uma nova verdade se fará a qualquer momento e será estampada em outdoor no centro da avenida.
Conselhos aos adultos preguiçosos: sigam o exemplo das crianças. Pais e Professores: não se zanguem com os porquês, responda-os sempre com a maior das alegrias. E crianças sejam adolescentes do eu duvido e jovens do “eu vou mudar”; perguntem sempre e sempre duvidem de tudo, tentem e provem o contrário, porque vocês pensando, além de serem o futuro, são o futuro do pensar.
Publicada no Jornal Liberal de 21 de Fevereiro de 2009.

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