domingo, 25 de maio de 2008

E mais uma vez


E mais uma vez, depois de tanto tempo, lá estava ela. Os anos passaram, o corte de cabelo mudou. Agora, além de dirigir, ela sabia fazer projetos, falar inglês, aprendeu malabarismo e a beber com os amigos de faculdade. Ria com mais facilidade, dançava magnificamente, encantava a muitos e se encantava também. Realmente o tempo fora generoso com ela, estava leve, realizada, cheia de si.


A música a conduzia, entre beijos e abraços reencontrava amigos, conhecidos e antigas desavenças aos quais esse mesmo tempo havia apagado do seu coração. Tudo corria muito bem, até que o amarelo que irradiava do seu rosto fora por imediato substituído por um cinza escuro que lhe entristeceu alma.


Não precisava falar uma palavra, quem a realmente conhecia sabia que o mal que lhe adoece o coração se fazia presente naquele ambiente que estava a contagiando. Como num piscar de olhos, seu corpo que refletia a felicidade começa a emanar um gelo descomunal. Suas amigas não entendiam, ela não entendia. Talvez aquela história do que os olhos não vêem, o coração não sente seja verdade.


Passara os últimos meses bem, poderia até lembrar dele, mas seu coração não mais apertava, uma nostalgia chegava aos seus olhos, mas nada que uma dose de vodka não fizesse esquecer. Até aquele momento sentia-se preparada para receber e resistir a qualquer pancada do destino. Mas não se conformou com seu coração tolo, bem sabia ela que não poderia jamais mandá-lo ou desmandá-lo, assim, mais uma vez sentia-se frágil e desprotegida, sem rumo e sem direção diante de tudo o que via.


Todo aquele conhecimento, aquela firmeza, aquela autoconfiança desapareceu diante da imagem daquele semblante, que sabendo de tudo, posta uma indiferença singular. A conheceu criança, pequena, que brincava nas ruas e andava com traças nos cabelos, mais tarde, durante a sua adolescência veio, a saber, de seus sentimentos, o que de maneira nenhuma o fez mudar de comportamento ou atitude perante ela, era o mesmo distante de sempre: tudo a fazia criança indefesa novamente.


Certamente, ela não poderia jamais cobrar alguma atitude mais firme, pois nunca conseguiu trocar mais que uma dúzia de palavras com ele, temia que o encanto se perdesse. E o que lhe mais dói no coração é isso: o medo de perder. Mas perder o que nunca teve? Por todo esse tempo ela se escondeu, ela o desviou, derrubou cadernos no chão, lembrou de livros que esqueceu na biblioteca, se virou para encher o copo de refrigerante, com medo. E mais uma vez, naquela noite, ela se escondia. Ao contemplar a sua imagem rindo ao longe, secou seu copo, ela era melhor que todas ao seu redor, não tinha menor dúvida disto, mas o que ela conseguia entender era a impediu todos esses anos e o que a continua impedindo de chegar até ele. O momento certo? A hora certa? Como num flash lembrou dos versos dos Engenheiros do Hawaii: “esperei chegar à hora certa, por acreditar que ela viria...” Será que viria mesmo?


Tantas vezes machucada por obstáculos, que serviram principalmente para seu crescimento e auxiliaram para que estivesse ali, inteira e mais mulher. Porém, não acreditava que estava mais uma vez, sem ação, tomada de uma droga que lhe corrompia os sentidos.


Não queria que aquilo refletisse em seu rosto, mas depois de tudo, seu sorriso não era mais o mesmo. Pediu para as amigas se afastarem, com a desculpa de procurarem um lugar mais fresco. Que ironia, ao mesmo tempo em que seu coração queria a empurrar em sua frente, fazendo com que palavras fossem em vão e simplesmente olhares seriam suficientes para esclarecer anos de um coração calado, sua cabeça e sua sensatez a faziam fugir dali para um lugar seguro, onde seus olhos não a traíssem com imagens que a machucariam mais ainda.


Longe dali, respirou mais aliviada... Por alguns instantes. Percebeu que ele se aproximava, queria sumir, não podia, mais uma vez teria que enfrentar o encontro, e, com certeza esse foi o mais doloroso de todos. Um oi tímido e um abraço. Desejou por alguns segundos que o mundo acabasse e que aquela cena durasse por toda a eternidade. Não, não foi um simples abraço, pela primeira vez sentiu carinho em suas mãos, carinho que lhe afagou os cabelos e a fez fechar os olhos, a fez sonhar. Entre um “vou bem e você”, mais uma vez trocaram uma dúzia de palavras, mais uma vez sua cabeça calou seu coração e talvez mais uma vez a hora certa não havia chegado. Despediram-se e um “se cuida” foi ouvido, sim ela iria se cuidar, longe de você. Por dentro ela desabava, mas exibia um riso amarelo que não exibia sentimento algum: “você também”.


Mais uma vez ele se foi. O que ele pensou, o que ele pensa? Ela ainda não sabe. Resolveu ir embora, deixar tudo aquilo pra trás procurar consolo no seu travesseiro. No carro, pediu as estrelas uma benção, as palavras embriagadas de uma mistura alcoólica de sentimentos pediam uma direção, uma explicação, pediam o momento certo, a hora certa: para esquecer ou para jogar. Mas mais uma vez, a dúvida e o medo eram seus companheiros. Que ironia, tudo mudou, mas mais uma vez tudo continua exatamente igual.

Um comentário:

Andréia disse...

É assim... simplesmente perfeito!
E a foto que tá no profile do seu blog parece aquelas fotos em p&b que a gente vê na contra-capa de livros, assim, daqueles autores bem famosos!
Combinou completamente com o seu texto!