quinta-feira, 4 de junho de 2009

Eu amo queijo

Em Maio de 2009


Esse é, se não o pior, mas com certeza um dos mais desgastantes relacionamentos de minha vida: eu e o queijo. Na verdade, eu e o queijo, o leite, o iogurte, o leite condensado, tudo aquilo que tenha lactose. Como boa descendente de raças européias, aprecio as maravilhas da boa culinária e isso inclui os doces e nessa levada a lactose, o motivo de meu desespero. Há alguns meses, descobri uma leve intolerância a substância que fez com que eliminasse (teoricamente), o consumo de alimentos que contenham essa minha inimiga.
O fato é que, mesmo sabendo dos seus males em minha vida, de seus efeitos colaterais em meu cotidiano, (isso inclui os traumas psicológicos), às vezes eu caio na tentação, me saboto e lá se vai um copo de iogurte com granola, ou um pedaço de queijo no sanduíche natural, ou um exagerado pedaço de pizza de chocolate branco. Aí sim, além do que saco, além dos efeitos fisiológicos, vem os psicológicos e a culpa, de cometer o mesmo erro de sempre.
O consultor de empresas Eduardo Farah, cita em suas palestras o exemplo do jogador Zinedine Zidane, na memorável final França e Itália, na Copa do Mundo de 2006. Tudo estava ao seu favor, a mídia em consagrá-lo melhor do mundo e a conta bancária em abarcar os milhões em contratos publicitários. Mas ele, num minuto de bobeira, como costumo chamar, “chifrou” o italiano Marco Materazzi, depois de uma discussão envolvendo mãe e irmã dentro do campo. Hã? Final de jogo e de carreira para Zidane.
Tá, e quantos de nós não levamos dentro do peito e do coração o espírito do Zidane? Ouso falar que todos o temos escondidinho (outros nem tão escondido assim), dentro da gente, mas na maioria das vezes não sabemos lidar com eles. Logo, quando nos deparamos com um pedaço de queijo, de uma ofensa, de um mal entendido, de alguém que lhe faz tremer as pernas, esquecemos de tudo o que nos causaram, do que podem nos causar ainda, dos efeitos em nossas vidas e da dor que é cair de costas no chão e não mais do que rapidamente acabamos caindo no ciclo vicioso da auto-sabotagem e, de novo, estamos de costas e com mais dor.
O pior é que isso não acontece só com o queijo que eu adoro, mas a auto-sabotagem alcança os patamares da vida profissional, onde nela espera-se que as pessoas tenham sempre sucesso e realizem bem concretamente os objetivos a que se propõem. Procuramos o êxito, mas muitas vezes encontramos o fracasso e esse pode não ter uma causa explicável, mas pode ser explicado na auto-sabotagem, pois muitas vezes não sabemos o que o motivou a se comportar daquela maneira. Mas podemos tentar identificar em nós mesmos o que nos empurra nessa direção. Farah acrescenta que: “é fundamental saber que temos um time interno que joga contra. Não temos só de nos preocupar com os rivais externos, mas principalmente com esse time interno solapador que todos carregamos em algumas áreas da vida.”
E como esse pessoal temos que ser rígidos e dar-lhes do próprio remédio. É inato da nossa personalidade sermos repetitivos, metade da nossa vida – ou mesmo a vida inteira – tentamos confirmar e concretizar as crenças que adquirimos quando crianças, sobretudo no relacionamento com o pai ou a mãe. Isso é negativo, quando nos impede de mudar, de inovar, de dar assas a imaginação e experimentar o novo, sem medo.
Porém, tem horas que nada segura. É medo, é raiva, é revolta e estamos lá, comendo queijo, dando cabeçada em italiano, discutindo com o colega de trabalho, dando trela pro desalmado que nos fez sofrer: vem a sabotagem e vai o boi com a corda e o trem se descarrila. Saímos dos trilhos que traçamos e que traçaram para nós, se vemos em meio a uma confusão e o conflito interno se dilata.
É conveniente ressaltar, todavia que nem sempre esse sair dos trilhos pode ser ruim, de tanto apanhar um dia a gente aprende e esta pode ser positiva e pode nos alertar para algo que simplesmente não vai bem. Coisas de nosso inconsciente que querem nos alertar que algo não vai bem e refletem suas razões em nossas ações também inconscientes.
Muitas vezes, o medo de ser feliz é a raiz da auto-sabotagem. Freud trouxe em 1916, “Os que fracassam ao triunfar”, artigo que descrevia sobre pessoas que sofrem e morrem de medo quando a existência traz satisfação e que ficam felizes da vida quando ela não dá certo. Por razões complicadas, essas pessoas podem ter nas mãos todas as condições para aproveitar a vida ao máximo, mas elas talvez prefirem não fazê-lo. Aí, se sabotam como desculpa de enfrentar a felicidade, que quisá nunca aproveitaram, por não saber lidar com ela. De novo, a mudança e o experimentar.
O auto-conhecimento e o auto questionamento podem nos conduzir a resposta de muitas perguntas, pois, buscaremos detectar culpas, medos, raivas ou até poderemos nos lembrar dos registros negativos de infância, onde a auto-sabotagem é uma espécie de fuga de alguma angústia, medo ou desculpa.
Talvez, lá no fundo os “Zidaninhos”, estejam escondendo no se enfiar no queijo, um medo de se apaixonar pelo leite de soja e o tofu, ou talvez seja mesmo só um outro medo de enfrentá-los e ver que eles não nos fazem mal, só estamos assustados com eles e não conseguimos desfrutar seu sabor sem considerar que ele pode nos fazer mal. Convém, não dar cabeçadas e sim, analisar e perceber se o amor que sente lhe faz bem ou lhe faz mal e assim, amarrá-lo de vez ou largá-lo para sempre, ambos, sem culpa e sem sabotagem.


Pollyanna Gracy Wronski é Bióloga, Professora, Acadêmica de Ciências Contábeis se assume como “sabotadora” e pretende acertar seu relacionamento não só com o queijo, mas os demais que lhe afligem.

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