terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Quando fala o coração inocente



Uma breve retórica sobre as Mulheres

Santas, Cruéis, Românticas, Independentes, Apaixonadas, Vingativas, Poderosas, Carentes, Ardentes e Únicas. Cada qual com um traço marcante e pessoal, mas todas, tudo em uma só. Depende do dia, da hora, da ocasião e do homem que a acompanha. Portadoras, da inocência do amor puro feminino e inundado com a mais profana cólera pela justiça na terra dos homens, sendo manifestada sob forma e aspectos diferentes dentro da conjuntura que as segue.

Percebendo a diversidade e a semelhança de nós, mulheres, semana passada chamou-me a atenção o filme “Becoming Jane” para o português “Amor e Inocência”, de 2007 sob a direção de Julian Jarrold. A história contada com base em cartas e especulações traz a biografia da escritora inglesa Jane Austen que viveu no final do século XVIII, onde sua história se reflete e se confunde nas páginas de seus livros.

Jane foi uma escritora proeminente, considerada por muitos como a segunda figura mais importante da literatura inglesa depois de Shakespeare. Diante dos hábitos da época, as mulheres eram criadas para se tornarem boas filhas, além de mães e esposas exemplares e onde pior adorno de uma mulher era ser sábia e ser capaz de sentir e falar de seus sentimentos, porém isso não a amedrontava: “... não tenho medo de mostrar meus sentimentos e de fazer coisas imprudentes, pois acredito que o que não se mostra, não se sente”.

Admiradora do uso de ironias sutis, mais tarde é lembrada pela leveza de suas narrativas, as quais até hoje, são lembradas como épicos romances ingleses. Srta. Austen, porém, seguindo tradições familiares sofreu pressões para se casar por interesse a fim de ascender socialmente, o que não lhe agradava, pois acreditava na existência do amor verdadeiro. Conhecedora dos deveres de mulher submissa torna-se uma à frente dele, não abandonando, porém, o típico romantismo feminino. Apaixona-se pelo intrigante Sr Thomas Lefroy, o qual é referenciado em uma de suas obras e cuja história de amor não tem um final feliz devido à preocupação de Jane com o futuro de Thomas. Mulher cheia de si, dotada de uma admirável retórica capaz de persuadir e irritar os grandes aristocratas da época, onde simultaneamente, Jane mostrava-se uma mulher desafiadora aos homens, mas disposta a perdoar, a abrir mão da sua felicidade e de seu amor, por simplesmente amar verdadeiramente outro.

Encantada com seus escritos, entusiasmada com sua história de vida e intrigada com a minha postura ora firme e ora insegura perante os percalços da vida, voltei o meu olhar para outra grande mulher a qual está recebendo as devidas honras por sua postura ardente e intensa de viver: Mayra Monjardim Mattarazzo. A história de uma das maiores cantoras da bossa brasileira está sendo exibida através da minissérie “Maysa: quando fala o coração”.

Quando criança estudou nos tradicionais colégios paulistanos e casou-se aos dezoito anos com o empresário André Matarazzo, porém a união não durou muito tempo, pois André se opôs à sua carreira musical. Herdou de seu pai os traços boêmios protagonizando escândalos devido ao uso de álcool e moderadores de apetite, teve vários relacionamentos amorosos e foi sucesso com inúmeras temporadas de sucesso em diversas casas do Brasil e até fora dele.

Maysa jamais fora portadora de um comportamento “adequado” para as senhoritas da época, assim como Jane, fora nomeada como uma mulher à frente de seu tempo, não admitindo o marasmo e a apaticidade dos jovens de sua época. Menina sapeca, mãe amorosa e ausente, mulher rebelde. Sua trajetória se confunde com as mudanças pelas quais o Brasil passou nesse tempo, tendo seu temperamento estampado nos versos de suas canções: “(...) e é por isso que eu falo demais, é por isso que eu bebo demais, e a razão porque vivo essa vida agitada demais é porque o meu amor por você é imenso”.

Duas grandes mulheres, com personalidades fortíssimas, que marcaram época estampando a sua vida em suas obras. Não diferente de nós, Janes, Maysas, Marias, Claras e Joanas. Talvez muitas de nós nao alcancemos o glamour das heroínas deste texto, mas ao repensar as atitudes destas, percebi que somos assim também nós, as mulheres comuns do dia-a-dia que nos comportamos assim, conseguimos ser o céu e o inferno, permitimos o sonho e criamos o pesadelo, oferecemos o aconchego e a perturbação e assim marcamos a nossa existência e a existência dos que nos rodeiam com nossas atitudes e comportamentos.

O que, porém, marca a intensidade e até a inconstância na vida de uma mulher? O que a torna tão forte e tão frágil ao mesmo tempo? O que a faz sonhar e o que cria a raiva em seu coração? Ousei pensar que fosse talvez a falta de sentimento que fez com que Jane se fechasse durante muito tempo antes de conhecer e renunciar a sua grande paixão. Porém conclui que assim como disse Maysa, que não é a falta de sentimento, mas a abundância dele que cria todos os demais sentimentos e comportamentos em uma dama. Todas são detentoras de vários poderes e magias, mas muitas de nós ainda não compreendemos o que fazer com o excesso. Guardá-lo? Jogá-lo fora? Não sabemos, temos muito a aprender. Assim, o nosso excesso gera paixão, amor, raiva, rancor, doçura, ternura, sensatez, loucura e discurso, muitas vezes incompreendido e condenado no ato de seu acontecer e, muitas vezes exaltado e implorado por depois se compreender. O fato é que o que é demais em uma mulher é o que faz dela ser o que é: tudo em uma só.

Polly confessa que, anda em excesso, sentindo-se um misto de Jane e Maysa.
Publicada no Jornal Liberal de 14 de Janeiro de 2009.

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